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A mostrar mensagens de maio, 2017

Inebriante não-ser.

Não acrescento nada se não tudo à doçura amarga de quem vem, vai, nem cumprimenta nem se despede. Não acrescento nada se não o grito, ao silêncio que caminha pelo teu corpo e te percorre como aragem. Ainda agora partiste e és já uma memória desfocada. "Não vás porque a vida é aqui e o esquecimento é longe". As minhas palavras de nada valem. Caminha pelo teu corpo o silêncio. Como uma aragem, avanças devagar a percorrer um grande caminho. A tarde, morre de repente num silêncio como a tua aragem, onde fico morta, esquecida, mutilada, sozinha. “Amamos” até dilacerar a carne, tontear a alma e confundir a vida. “Amamos” a exagerar nas vírgulas e a esquecer os pontos. Nesses caminhos longos da existência haverão fragmentos de mim por toda a parte, lançados ao vento, em meio de vendavais, coexistindo entre o tempo e o espaço. A sensação de pertencer por onde se passa, não chegando a pertencer a lado nenhum, é anestésica. Pinto-me num outro corpo... Guardo se...

Bactéria complacente.

Nunca. Nunca soubeste como me interpretar, admiravas as minhas flores mas não admiravas as raízes e, quando o inverno chegou não soubeste o que fazer. Nada fizeste e o tempo acabou por interceder por ti. Ah o tempo...esse antibiótico que nos trata como bactérias. Arrastou-te para longe, aragem que és de memórias nauseabundas, perfumada de podridão e enfeitada de flores. Sentir organicamente não é para mim. Escrever é. A palavra é ouro e não um mero caractere perdido no meio de caixas vazias. Foste sem um adeus, sem aviso prévio ou lembrete. Foste sem aqueles fragmentos erráticos que se espalham sobre o mundo a uma velocidade atroz... a que muitos lhe atendem como culpa. Apenas foste. Nas camadas com que construo a minha existência, não sobrou nada do tudo que não foste. A primeira camada, continua a mesma de sempre. Aquela aprimorada que apresento ao publico geral, aquela que exige de mim um esforço maior. Uma camada feliz aos estranhos. Aparentemente feliz e...

Tristeza com remetente.

Delírios e miragens de tempos escassos que deixaram nada mais que trovões no coração e caos nos ossos. Delírios sobre as miragens da gente que tem forma mas se perde na falta de conteúdo. Delírios mergulhados em miragens sobre a tristeza que não tem remetente. Miragens dos delírios  de tempos enaltecidos, carregados de ambiguidade e estupidez lírica. Delírios de tempos metafóricos, onde o oceano se assumia como   sangue de cristal. Miragem do seu balanço sinuoso diante de nós, muito belo, mas carregado de perigos onde sonha em afogar-nos a todos. Delírios e miragens onde os crédulos afirmam que o oceano, assim como a vida, desceu das veias puras de "deus". Não há delírios ou miragens blasfémicas, quando afirmo que nas veias puras de "deus", vivem parasitas que são monstros. O humano, monstro predileto de "deus", encontra-se na cava.

Decadência de ser.

Não somos mais nada. Não somos o que outrora fomos. Não somos o que outrora perspectivámos ser. Não somos a fragrância em que tanto mergulhamos, nem a comida que tanto agraciamos. Não somos nada. Não sobrou nada. Não sobraram as cinzas leves que o vento apaga, do passado morto e farto de o estar, nem sobrou o fogo que ardeu sem se ver, no auge da decadência. Não sobrou nada onde houve tanto tudo. Do tudo não sobrou nada. Não sobraram palavras vazias onde pudesse refugiar-me, nem sobraram abraços onde me pudesse encaixar. Nada sobrou. Nem memórias sequer. Tratei de as diluir ao embebê-las na embriaguez das tantas noites de insônia que me perfilharam. Nada sobrou do nada que fui. Dentro do nada cabe tanto tudo, onde não sobra nada do nada em que me tornei.  Porque afinal, há um momento na vida em que se pára de viver para se passar apenas a existir, um momento onde não há nada mais que o vazio da enchente. Multidões vazias, corpos sem alma. Um tudo...

Anomalia Genética Incorrigível.

Apercebes-te que aquela pessoa é uma anomalia genética incorrigível quando ao ouvires algo simples como uma música, te recordas dela e esboças um sorriso. Quando percebes que caíste numa rotina que seria estranha em tempos já idos. Apercebes-te que aquela pessoa é uma anomalia genética incorrigível quando novas palavras saltam da tua língua como se sempre estivessem lá, novos sotaques, pausas na leitura, preferências literárias, ou até nojos adquiridos. Apercebes-te que aquela pessoa é uma anomalia genética incorrigível quando tentas arrancar de ti, da tua pele, o que sentes.  Sim, acabou por se tornar na tremenda anomalia genética incorrigível que por ser tão ela, acabas por ser tu. Mas,  já sentiste tanto que o passado acabou por te infectar a derme. Porque a paixão é uma doença, onde viramos sequências inteiras de características ainda mais perceptíveis depois do fim. Houve pessoas que indiscutivelmente foram uma parte em toda a parte de nós. Não  co...