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A mostrar mensagens de abril, 2017

Fragmentos momentâneos.

Deparo-me frequentemente sem saber o que escrever. Ironia das Ironias sei sempre o que escrever quando não é propício tal. Então limito-me a inventar o que não escrever. Então hoje, não vou escrever que  sou um desastre poético rabiscado e esquecido debaixo de outros papéis no fundo de uma gaveta qualquer.  Nem que não passo disso, nem que nunca passarei disso. Não escreverei que serei apenas lembrada por breves instantes aquando daquelas limpezas anuais chatas. Que serei lembrada à força, será a minha presença imposta, fraccionária, momentânea e nada memorável. Não vou escrever. Quem disse que coexistir é viver? Não escreverei que é sufocar e submergir no esquecimento temporário mas eterno. Não vou escrever nada disso. Não vou escrever que sou fragmentos nada memoráveis. Não o vou fazer. Decido portanto escapar às leis que regem o esquecimento e, imortalizo-me no que escrevo quando não escrevo. Hoje, não o escrevendo.

Miseravelmente por aí.

Os teus olhos vazios, assemelham-se à rua miserável onde apenas os vadios sonhadores deambulam, onde o meu coração já foi o mendigo mais faminto. Teimas em existir no desentendimento que há entre o tempo e o espaço enquanto eu vivo simbolicamente. A caravana passa, a cidade não pára assim como o tempo não pára também, e eu continuo exatamente no mesmo lugar onde senti pela primeira vez a angústia de existir. Deixamo-nos  ir por aí, pela cidade que permanece imutável, sem destino exato. Sem compromissos ou data de aniversário. Somos seguros nas inseguranças e constantes nas variáveis. Somos apenas um tom frio de azul melancólico que luta por amanhecer roxo e seguir laranja. Para quando chegar a noite, quem sabe, conseguirmos esquecer a dor intermitente de ser apenas fúteis seres. Abeiramos o meu sótão. Abeiramos o abismo. São tempos difíceis e nós não somos fáceis.

Teia.

Ontem eu gostava da chuva. De lhe oferecer o rosto e o corpo, por achar que ela era capaz de purificar e de libertar, de me lavar da sujidade dos dias sempre repetidos e sem história. Ficamos dispersos por onde calha, sombras das nossas próprias sombras, misturando, tantas vezes, as lágrimas dissimuladas com o gotejar da chuva. Quando chove, alimenta-se a esperança remota de que venha uma enxurrada e que me arraste até ao mar, destroços que somos de um tempo apodrecido e moribundo que não me deixou outro rasto que não seja a memória em estilhaços. Porque aquilo de que não nos recordamos não nos pode magoar. Hoje, a noite é fria e húmida como as mãos dos mortos quando os abandonam ao relento. Hoje não gosto da chuva. Hoje conheço bem os mecanismos e regras que regem o esquecimento.  As quais ontem nem sabia que existiam. Eu própria, tratei de tecer a teia do esquecimento em que me quis perder. Farta de tudo e todos, exausta de mim e de um tempo que deixou de ser meu, decidi ...

Memória silvestre.

Saudades. De quê? De quem? Como pode sentir saudades, quem decidiu apartar-se delas como se vivesse sem passado e tivesse renunciado a tudo o que possa receber o nome de futuro. O que ficou para trás definhou, murchou, morreu. Não, não tenho saudades de quando fazia dos sonhos o combustível enganador que me permitiu por muito tempo, voar um pouco acima da linha da terra, sempre de asas abertas para planar sobre o relevo sombrio da realidade, salpicada de arestas, eriçada de armadilhas, sempre pronta para me atrair e depois engolir. O meu passado morto viu terminar sem glória a fantasia quotidiana do voo. As suas memórias surgem mergulhadas num esquecimento demasiado profundo para ser relembrado. Dele só poderão brotar, com um impulso de seiva, ervas bravas e flores silvestres. Aquelas flores com aroma do que nunca fomos. Estou cansada, demasiado até. A memória geral tornou-se uma concha que procuro desenfradamente fechar a cada dia que passa. Procuro torná-la casulo de todas...

Tudo do nada.

Vejo em ti a doçura de quem sente coisas belas, ainda que os males as tenha levado para longe da vista. És amor de ponta a ponta e isso acaba por te engolir. És o sentir desavisado que preenche lacunas e desaba por não serem todos dotados de ver e compreender a imensidão. Dizemos um tanto de coisas tristes sobre aquela melancolia que enche os pulmões e desaparece com o ar. Um vazio desassossegado que teima em recordar que o nosso sentir, afaga o outro enquanto nos rasga. Não transbordo de afeto. Não sou apenas um punhado de energia positiva, mas um vulcão. Uma inquietação, invariável, desconcertante e incontrolável, crise cíclica, crítica. Floresço, envelheço, enraízo, transpiro, misturo, confundo, sou um mundo. Mas que mundo. Um mundo confuso, escuro, sem rumo, diante de tudo, sobre mim é tudo. Mas, neste oculto, sou um nada de futuro. Imagino-te a abeirar o mesmo abismo. Onde os teus olhos têm o propósito de observar as rosas e vê-las além de espinhos, mas, acabam por nã...

Ou não?

Escrevo. Escrevo sobre mim, sobre ti, sobre quem podíamos ter sido e não fomos. Escrevo. Escrevo apenas sobre as memórias de tempos idos e as memórias de tempos que nunca vieram. Escrevo. Escrevo apenas por escrever. Escrevo para fingir aliviar aquilo que não sinto. Escrevo para lamentar passos dados sobre aqueles que nunca sonharam ser dados. Apenas escrevo para aliviar a paz da guerra que se abateu sobre mim. Escrevo. Escrevo com o pesar de quem chora sem chorar e grita sem gritar. Escrevo ao som dos indeléveis Kodaline. Escrevo sobre o tudo do nada que tu foste para mim. Escrevo. Apenas escrevo. Escrever é uma tarefa leve, irrelevante, indolor. Finjo portanto que escrever é a escravidão que liberta, que apazigua os demónios que fazem de mim o seu inferno. Finjo que as palavras que procuro têm poder para mudar o gelo que se abateu sobre o inexistente. Finjo. Finjo que não dói por não sentir. Finjo que não sinto por já não doer. Finjo. Apenas finjo o que não se pode...

Poesia Invernal.

Fico por vezes a pensar em todos os poemas que não foram escritos porque a palavra, ao sentir a pele do poeta arrefecer, dá meia volta para se voltar a encaixar novamente no eterno congelador do seu peito. Fico perdida nos romances que ficaram mudos porque as palavras simplesmente preferiram aproveitar um dia de sol num domingo tropical. Será que Dan Brown teria escrito "Inferno" com as mesmas palavras se, estivesse de férias em alguma dessas praias, com os pés embrenhados na areia tórrida, nos confins da terra? Da mesma forma, será que Pessoa teria encontrado as palavras que precisava para "Autopsicografia" caso este estivesse hospedado nalgum iglu no polo norte? É bom relembrar que algumas palavras se perdem no caminho entre o coração e a traqueia, ficando para sempre em nós. Em silêncio. À espera de um ambiente que as mereça. Na escrita, a temperatura fica no corpo das letras, das palavras. Às vezes, aquece. Às vezes, arrefece. No coração de quem escreve é se...

Identidade especulativa.

Uma parte de mim é o mundo todo e a outra parte ninguém, fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão, e a outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pensa e repensa, enquanto a outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta, enquanto a outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente, enquanto a outra parte desaparece de repente. Uma parte de mim é só vertigem enquanto que a outra é somente linguagem. Traduzir uma parte noutra parte é talvez, uma questão entre a vida e a morte. Talvez, eu seja apenas um talvez a tentar ser uma certeza...a sonhar ser um para sempre e acaba sempre por ser uma metade. Serei arte?